
MP 966 e a Responsabilização dos Agentes Públicos
No dia 14 de maio de 2020, foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória n. 966/2020, editada pelo Presidente da República, o Ministro da Economia e o Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU).
A norma trata da responsabilização de agentes públicos no combate à pandemia do COVID-19 e, por se tratar de medida provisória, já está em vigor em todo o território nacional com força de lei, na forma do art. 62 da Constituição Federal de 1988.
O texto da MP 966/2020 prevê que somente poderão ser responsabilizados os agentes públicos, nas esferas civil e administrativa, que agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, ao enfrentamento da emergência pública decorrente da pandemia do COVID-19 e ao combate aos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes.
Nesse sentido, o art. 1º da MP 966/2020:
Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:
I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e
II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.
Esta previsão não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, dada a alteração promovida pela Lei n. 13.655, de 25 de abril de 2018, que alterou o Decreto-Lei n. 4.657/1942, conhecido como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Observe-se que o art. 28 da LINDB já fazia menção à responsabilização do agente público por dolo ou erro grosseiro:
Ar.t 28 O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
E veja-se que a MP 966/2020 – que se aplica especificamente aos atos praticados em decorrência da pandemia – reproduziu o mesmo texto empregado no Decreto n. 9.830/2019, responsável por regulamentar a Lei n. 13.655/2018, especificamente quando tratou do conceito de erro grosseiro. O art. 12, §1º do Decreto n. 9.830/2019 prevê que:
Art. 12 [...]
§1º Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
Agora, confira-se o texto do art. 2º da MP 966/2020:
Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
Como se observa, trata-se do mesmo conceito utilizado pelo Decreto n. 9.830/2019, ao regular a Lei n. 13.655/2018. Assim, verifica-se que o dispositivo da MP 966/2020 – assim como do Decreto n. 9.830/2019 – é claro em exigir que o erro grosseiro seja aquele erro inescusável, ou seja, aquele que era evidente aos olhos do gestor, cuja prática estava claro ser imperdoável, de fácil percepção. E continuou dispondo que o conceito de erro grosseiro se refere à prática de ato com culpa grave, caracterizada, segundo a norma, pela presença de elevado grau de negligência, imprudência e imperícia do agente público.
O pilar da MP 966/2020 – assim como da Lei n. 13.655/2018 e do Decreto n. 9.830/2019 – é a defesa da segurança jurídica e da eficiência, evitando o controle sobre a atividade administrativa com base exclusivamente em valores abstratos, sem que se considerem as consequências práticas da decisão. E, especificamente sobre este ponto, o art. 3º da MP 966/2020 trouxe novas circunstâncias (para além daquelas já previstas nos diplomas anteriores) em relação as quais o julgador deverá se pronunciar quando da análise do ato administrativo. Confira-se:
Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:
I - os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;
II - a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;
III - a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
IV - as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e
V - o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.
Logo, a MP 966/2020 passou a exigir maior fundamentação do aplicador da norma quando da análise do ato praticado pelo gestor no combate à pandemia do COVID-19 ou aos seus efeitos. Tais circunstâncias funcionam como balizas ao intérprete no momento da responsabilização dos agentes públicos, adequando a penalidade aos critérios de proporcionalidade e da razoabilidade.
É preciso que o agente público esteja atento às disposições da Medida Provisória n. 966/2020, em vigor desde 14 de maio de 2020, notadamente quando da análise de atos administrativos praticados no enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia do COVID-19 e combate aos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes, observando, especialmente, a necessidade de indicação de dolo ou erro grosseiro para aplicação de sanção aos agentes públicos, bem como a consideração das circunstâncias elencadas no art. 3º da MP 966/2020.
Por Ana Paula Mella Vicari